FOLHAS AO VENTO [conto]
Primeira parte da crônica de Karate 'Folhas ao Vento'.
O vento soprava suave, subindo vagarosamente pela inclinação do terreno. Cortava seu caminho em meio à relva, carregando poeira e folhas secas de início de outono entre ramos de plantas. A vegetação era abundante na região, com árvores de copa alta e folhas largas, que davam passagem para diversos raios de sol desenharem seu caminho em direção ao solo. A brisa morna alcançou uma clareira, cujo centro era marcado pela presença de uma antiga e poderosa árvore, com suas folhas secas balançando e caindo devido à passagem do ar, acumulando-se ainda mais na terra. Sua casca grossa e marcada pelo tempo acusava uma idade avançada, testemunha dos muitos anos que passaram.
Ao pé desse gigante da natureza se encontrava um homem, sentado imóvel sobre uma pedra tão antiga quanto a planta a sua frente. Com as pernas cruzadas e as mãos unidas em forma de concha, ele parecia entregue aos próprios pensamentos e emoções, imperturbáveis pelo mundo a sua volta. O vento roçava seu rosto levemente, movimentando o cabelo emaranhado enquanto anunciava o final de um verão e o princípio de mais uma fria estação. Com os olhos fechados e o pensamento distante, era impossível ao homem precisar quanto tempo havia se passado. Horas, minutos ou dias, nada disso era importante ali, naquele momento.
Traçando um círculo a sua frente com as mãos e os braços, tal qual um escudo, ele abriu vagarosamente suas pálpebras. Seus olhos apontavam para frente, sem enxergar propriamente a natureza ao seu redor; acompanhavam as figuras de sua mente, as quais se movimentavam de forma uníssona e ameaçadora. Sombras vivas, como se fossem espectros de inúmeros guerreiros formados por cinzas, pairavam ao seu redor, preparadas para o ataque iminente. Seus olhos exibiam um brilho avermelhado, tal qual brasas prontas para reacender uma fogueira morta. Chegavam cada vez mais perto, deslocando-se tão vagarosamente que um olhar menos atento faria o homem ser pego de surpresa. Quando estava próximo o suficiente, o primeiro dos guerreiros de cinzas se precipitou em um rápido ataque, deixando um rastro de poeira suja atrás de si.
Em um movimento vigoroso e mais veloz que o próprio pensamento, o homem ergueu sua mão esquerda aberta, espalmando o avanço do punho sombrio, desfazendo-o no ar como se fosse poeira ao vento. O gesto foi repetido para o outro lado, anulando um novo ataque. Recolhendo-se em uma posição de preparação, ele defendeu uma nova investida, desta vez vinda de sua frente, e contra-ataca com um poderoso soco. Cada vez mais e mais sombras se esgueiram em sua direção, atacando-o de diversas maneiras. Com uma série de esquivas e contragolpes o guerreiro impede o avanço de todos os adversários, terminando sua série de gestos com um chute para trás, que finaliza o último inimigo próximo.
Após um breve momento, mais curto que uma respiração, novas sombras começam a se preparar para o ataque, avançando furiosamente sobre ele, sendo repelidas uma a uma com defesas de punho e mão espalmada. Os joelhos do homem se mantêm flexionados a cada movimento, deslocando seu peso levemente para trás, ajudando-o a se manter afastado de danos resultantes dos ataques. Em uma rápida sucessão de movimentos, ele desfere um golpe de mão aberta em posição de lança na altura do que seria a garganta de uma das sombras, arremessando-a ao solo e desfazendo-a em poeira escura, que é levada pelo vento e absorvida pela terra.
Sentindo o ar se movimentar em suas costas, o guerreiro girou sobre os calcanhares, deslocando seu tronco de um chute inimigo. Utilizando seu pé direito, ataca na altura do abdômen o guerreiro sombrio, que explode em uma nuvem de cinzas ao seu redor. Como se fosse água fluindo por um rio, o homem aproveitou o impulso de seu chute e deslizou pelo chão, agarrando uma perna de sombras que tentava lhe derrubar e a arremessando para o ar. O inimigo é lançando de costas no chão, sendo atingido pela mão do homem, que finaliza mais uma etapa do embate. Com o canto dos olhos percebe uma lâmina escura rasgando o ar na direção de seu pescoço, a qual evita com uma esquiva para baixo. Ele repete os movimentos anteriores, agarrando novamente pernas inimigas e lançando-as para cima. Antes mesmo de tocar o solo, o corpo de cinzas é desfeito por um golpe de sua mão fechada e mais um par de olhos em brasa se apaga.
A batalha continua com movimentos curtos e certeiros de mãos, cotovelos e pés, que são utilizados tanto para evitar quanto para acertar as sombras inimigas, que agora portam armas brancas variadas, compostas do mesmo material de seus corpos. A cada segundo de batalha o vento intensificava sua passagem, mesclando terra e cinzas a sua volta, como se formassem um pequeno tornado. Um a um os adversários sombrios caem, se desfazendo em cinzas mortas.
Após se livrar de um inimigo que lhe agarrara as vestes, o guerreiro abaixa-se e evita uma nova lâmina, que quase lhe perfurou o pescoço. Apesar da pausa próximo ao solo ser muito breve, ele toma consciência pela da terra fria em suas mãos, do chão forte e poderoso que os sustenta. Derrubando o agressor com um movimento suave de pés pelo solo, sobe novamente e ataca, derrotando quatro sombras que o cercavam com uma rápida sucessão de defesas e socos. Os movimentos são tão rápidos e a ferocidade do combate é tamanha que apenas as gotas de suor espalhadas no ar pelos movimentos dele são discerníveis, refletindo a luz natural. Um quinto adversário agarra sua mão firmemente e procura invadir seu ventre com uma espada negra, que é evitada com um giro de corpo muito curto, o qual libera sua mão, permitindo que alcançasse a cabeça do inimigo. Segurando-a firme, o homem desfere um potente golpe de cotovelo na testa de cinzas, encerrando mais uma sequência de movimentos perfeitamente fluidos.
Inspirando o ar furioso que continua girando ao seu redor, o homem percebe mais três pares de olhos em brasas se destacando em meio às sombras. Em um ímpeto final, avança contra o grupo de inimigos, aparando um chute com seu antebraço e, com um giro veloz, flexiona o joelho do adversário na direção contrária, quebrando-o. Ele o joga para cima, fazendo com que caia por cima de outro, desequilibrando-o.
O que não foi atingido parte para cima do guerreiro com uma espada, tentando cortá-lo de cima a baixo, mas é impedido com um avanço de mãos, que o agarram pelos punhos, prendendo a espada acima das cabeças, inofensiva. O homem, então, gira sobre si mesmo, torcendo as mãos do guerreiro de sombras, que soltam a espada, finalizando-o com dois chutes no peito. O último deles, com o brilho vermelho-alaranjado dos olhos mais forte que antes, avança furiosamente pelas costas do homem, que se agacha e o repele com um movimento de braços, arremessando-o ao ar. Ao tocar o chão, o último adversário sombrio explode em cinzas, tornando-se mais um componente do furacão que o vento havia se tornado na volta do combate.
O guerreiro, sozinho em meio ao vento, volta a ficar de pé em posição de prontidão, fechando seus olhos uma vez mais e se concentrando apenas na respiração ofegante. O suor espalhado pelo corpo, em parte absorvido por suas vestes, cai em gotas por suas mãos cerradas, pelas pontas do nariz e do queixo e pelos fios de cabelo. À medida que o ar começa a circular mais vagarosamente por seus pulmões, a ventania também parece se acalmar ao seu redor.
Com a respiração calma, ele repassa seus movimentos mentalmente, procurando os erros que cometeu no exercício. Com mais cinco ciclos respiratórios profundos, o homem abre seus olhos vagarosamente, limpando a mente e reconhecendo nas sombras enfrentadas aspectos de si mesmo. Consciente de que ainda há muito a ser aprendido, ele novamente senta na pedra, como no início, preparando-se para realizar mais uma vez o kata.
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Professor de Karate-Do pela Wado-ryu Renmei do Brasil
Mestrando em Gerontologia Biomédica - PUCRS
Bacharel em Educação Física - UFRGS
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Mestrando em Gerontologia Biomédica - PUCRS
Bacharel em Educação Física - UFRGS
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© 2013 Brandel Lopes Filho | Todos os Direitos Reservados | Lei nº 9.610 de 1998
Que lindo!
ResponderExcluirKata: uma sequencia de movimentos de defesa e ataque contra oponentes imaginários. Muito louco esse conto!!! Meu mestre e desses que contam historias, geralmente ele fala de algum karateka antigo que derrotava os inimigos com um soco, ou um outro karateka que quebrava os braços do seus inimigos apenas com as defesas, não sei se são verdadeiras mas tanto os novatos quanto os veteranos adoram XD
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